quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Poesia infantil

O livro O menino poeta (1943), de Henriqueta Lisboa (1904-1985), privilegia o lirismo, utilizando largamente a metáfora, afastando-se, assim, do descritivismo e da narratividade características de Olavo Bilac e da produção que o antecede, mas sem romper com o paradigma moral e cívico. Por outro lado, O menino poeta não foi publicado por editora de livros didáticos, nem trouxe prefácio recomendando sua leitura na escola. Dessa forma, o livro rompe com a circulação escolar, abrindo caminho para uma poesia infantil livre de compromissos pedagógicos.
        Sidónio Muralha (1920-1982), poeta português que se radicou no Brasil por motivos políticos, rompe com o paradigma moral e cívico no livro A televisão da bicharada (1962). Este livro introduz um novo paradigma para a poesia infantil brasileira, paradigma esse já esboçado em O menino poeta, de Henriqueta Lisboa, e que poderia ser denominado paradigma estético, por privilegiar o trabalho com a linguagem. No caso de Sidónio, esse trabalho com a linguagem s caracteriza pelo ludismo sonoro e o humor, ou seja, o jogo com a sonoridade, o ritmo, a música das palavras e a narração de breves cenas cômicas, como o título de seu livro sugere, envolvendo animais.
        O paradigma estético é consolidado por dois dos principais poetas modernistas brasileiros: Cecília Meireles (1901-1964) e Vinicius de Moraes (1913-1980). Cecília Meireles é reconhecida como uma das principais – senão a principal – voz feminina da poesia brasileira. Ela traz para a poesia infantil a musicalidade característica de sua poesia, explorando versos regulares, a combinação de diferentes metros, o verso livre, a aliteração, a assonância e a rima.
        Os poemas infantis de Cecília Meireles não ficam restritos à leitura infantil, permitindo diferentes níveis de leitura. A insatisfação com os limites e o desejo de plenitude estão presentes no poema “Ou Isto Ou Aquilo”, que dá título ao seu livro de poesia infantil, publicado em 1964.
     
             Ou Isto Ou Aquilo
             Ou se tem chuva e não se tem sol,  ou se tem sol e não se tem chuva!
             Ou se calça a luva e não se põe o anel,  ou se põe o anel e não se calça a luva!
             Quem sobe nos ares não fica no chão,  quem fica no chão não sobe nos ares.
             É uma grande pena que não se possa  estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
             Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,  ou compro o doce e gasto o dinheiro.
             Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...  E vivo escolhendo o dia inteiro!
             Não sei se brinco, não sei se estudo,  se saio correndo ou fico tranqüilo.
             Mas não consegui entender ainda  qual é melhor: se é isto ou aquilo.

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